terça-feira, 24 de novembro de 2009

Dureza

Carlos Andrade já estava vivendo seus 42 anos. 15 deles no ramo de construção civil. Como todo mineiro, não falava muito. Isso incomodava os colegas. Não tinha dinheiro e não podia comprar nada. Casa. Família. Comida. Os trocados apenas serviam para uns maços de um cigarro bem vagabundo e nauseante.
Toda manhãzinha ensaiava comer. Contemplava a pouca comida. Pensava. Salivava. E acendia um cigarro para matar a fome.
Saía de casa e ia ao trabalho a pé. Ônibus era coisa dispensável. Ônibus ou cigarro? Ônibus ou fome? Não tinha dúvida. E acendia outro cigarro.
No serviço, Carlão, como era conhecido entre os nordestinos trabalhadores e insuportáveis de tanta alegria, pegava suas ferramentas. Chave inglesa. Marreta. Capacete. E partia para o setor 34b. Acenderia um cigarro, mas se o fizesse não teria o que comer no almoço.
Falemos um pouco do setor 34b. Era um esqueleto ainda. As vigas ouviam as promessas de Carlão – Um dia vocês serão uma grande loja – e ficavam todas felizes ao vê-lo retornar dia após dia com a promessa de que as tornasse algo. Para elas o retorno era uma possível criação.
Carlão trabalhava sozinho no 34b. Isso era um sonho para ele. Vivia ali com as conversas impronunciáveis do metal. Com os delicados xingamentos da madeira quando pregada. E ainda a calma do cimento que secava lentamente.
Então chegou a hora do almoço. Carlão nem se preocupou em descer ao refeitório. Ou mesmo ir ao restaurante frente à construção. - Isso custa! - E ele não custava. Simplesmente almoçou o cigarrinho costumeiro. Tragou uma. Duas vezes bem forte. E sofreu um assalto. Uma tosse assaltou seu ar. Foi ficando tonto. Tossia mais e mais. Não havia como reagir ao assalto. Foi roubado, roubado. O ar. Faltando, faltando...
O fim do almoço tocou. Carlão estava lá parado. O cigarro queimava entre seus dedos. Tocou também, horas mais tarde, o café. Assim como o fim dele. Tocou o fim do dia.Carlão permaneceu imóvel. Parte de uma das fachadas do que seria um grande shopping.
Naquele dia Carlão foi demitido por justa causa. INFARTO FULMINANTE. Recebeu seu FGTS: uma vala, uma cruz e muito cimento.
Amanhã as vigas do setor 34b iriam, em homenagem, fazer 1 minuto de silêncio. Ninguém seria pregado. Marretado. Apertado. Amanhã, a promessa seria apenas um sonho incerto.